"A
Viagem do Elefante" é uma metáfora da vida humana - José Saramago
© 2008 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A. 05 Nov, 2008, 14:51
** Ana Nunes Cordeiro, da Agência Lusa **
Lisboa,
05 Nov (Lusa) - Existiu, no século XVI, um paquiderme indiano que caminhou de
Lisboa a Viena, ao qual José Saramago chamou Salomão e cuja história conta no
seu novo livro, "A Viagem do Elefante", uma metáfora da vida humana.
"O
livro narra uma viagem de um elefante que estava em Lisboa, e que tinha vindo
da Índia, um elefante asiático que foi oferecido pelo nosso rei D. João III ao
arquiduque da Áustria Maximiliano II (seu primo). Isto passa-se tudo no século
XVI, em 1550, 1551, 1552. E, portanto, o elefante tem de fazer essa caminhada,
desde Lisboa até Viena, e o que o livro conta é isso, é essa viagem",
disse o escritor, em entrevista à Lusa.
Apesar
das mais de 250 páginas do livro, uma edição da Caminho que estará quinta-feira
nas livrarias, Saramago considera-o um conto, e não um romance, "porque
lhe falta o que caracteriza em primeiro lugar um romance: uma história de amor
-o elefante não conhece uma elefanta no caminho - e conflitos, crises",
argumentou.
Para este
novo livro, o escritor não encontrou informação histórica suficiente "para
dar consistência a essa viagem, porque alguma coisa teria de acontecer enquanto
a viagem durou, e durou meses", pelo que lhe restou "a invenção,
fabricar uma história".
"Os
dados históricos eram pouquíssimos e o que há tem que ver principalmente já com
o que se passou depois da chegada do elefante à Áustria. Daqui de Lisboa até
lá, não se sabe o que aconteceu. Sabe-se, ou parte-se do princípio de que foi
de Lisboa até Valladolid - onde o arquiduque era, desde há dois ou três anos,
regente, em nome do imperador Carlos V (de quem era genro) -, que embarcou no
porto da Catalunha para Génova e que tudo o que não foi esta pequena viagem de
barco foi, como costumamos dizer, à pata", resumiu.
Teve
conhecimento da história "há uns anos, já bastantes", em Salzburgo,
cidade a que se deslocou a convite da universidade e onde foi recebido pela
leitora de português Gilda Lopes Encarnação.
"Creio
que no próprio dia da minha chegada fomos jantar com outros professores a um
restaurante que se chamava `O Elefante`. O simples nome do restaurante não era suficiente
para despertar a minha curiosidade, mas a verdade é que lá dentro havia uma
escultura relativamente grande representando um elefante e havia, sobretudo, um
friso de pequenas esculturas que, entre a Torre de Belém, que era a primeira, e
outra de um monumento ou edifício público que representaria Viena, marcava o
itinerário do elefante entre Lisboa e Viena. Perguntei-lhe o que era aquilo,
ela contou-me e, naquele momento, eu senti que aquilo podia dar uma
história", relatou.
Começou a
escrever em Fevereiro de 2007, altura em que já estava bastante doente, com um
problema respiratório, escreveu "umas 40 páginas" e parou, porque a
doença se agravou, e acabou por ser hospitalizado durante três meses, tendo
chegado a pensar que não terminaria o livro. Mas recuperou, regressou a casa em
Fevereiro deste ano, embora "mal" - "de certo modo, uma sombra
de mim mesmo", observou -, pôs-se logo a escrever e acabou-o em Agosto, no
dia 12.
"[Contei
esta história] em primeiro lugar, porque me apeteceu, e em segundo lugar,
porque, no fundo - se quisermos entendê-la assim, e é assim que a entendo - é
uma metáfora da vida humana: este elefante que tem de andar milhares de
quilómetros para chegar de Lisboa a Viena, morreu um ano depois da chegada e,
além de o terem esfolado, cortaram-lhe as patas dianteiras e com elas fizeram
uns recipientes para pôr os guarda-chuvas, as bengalas, essas coisas",
referiu.
"Quando
uma pessoa se põe a pensar no destino do elefante - que, depois de tudo aquilo,
acaba de uma maneira quase humilhante, aquelas patas que o sustentaram durante
milhares de quilómetros são transformadas em objectos, ainda por cima de mau
gosto - no fundo, é a vida de todos nós. Nós acabamos, morremos, em
circunstâncias que são diferentes umas das outras, mas no fundo tudo se resume
a isso", defendeu.
Sobre a
epígrafe do livro, o prémio Nobel da Literatura português sustentou que esta
"é muito clara quando diz `sempre acabamos por chegar aonde nos
esperam`".
"E o
que é que nos espera? A morte, simplesmente. Poderia parecer gratuita, sem
sentido, a descrição, que não é exactamente uma descrição, porque é a invenção
de uma viagem, mas se a olharmos deste ponto de vista, como uma metáfora, da
vida em geral mas em particular da vida humana, creio que o livro funciona",
comentou.
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