INTRODUÇÃO
Escrito em plena campanha abolicionista (1875), o livro conta as
desventuras de Isaura, escrava branca e educada, de caráter nobre,
vítima de um senhor devasso e cruel.
O romance A Escrava Isaura foi um grande sucesso editorial e
permitiu que Bernardo Guimarães se tornasse um dos mais populares
romancistas de sua época no Brasil. O autor pretende, nesta obra, fazer
um libelo anti-escravagista e libertário e, talvez, por isso, o romance
exceda em idealização romântica, a fim de conquistar a imaginação
popular perante as situações intoleráveis do cativeiro. O estudioso
Manuel Cavalcanti Proença observa que:
“Numa literatura não muito abundante em manifestação abolicionistas,
é obra de muita importância, pelo modo sentimental como focalizou o
problema, atingindo principalmente o público feminino, que encontrava na
literatura de ficção derivativo e caminho de fuga, numa sociedade em
que a mulher só saía à rua acompanhada e em dias pré-estabelecidos; o
mais do tempo ficava retida em casa, sem trabalho obrigatório, bordando,
cosendo e ouvindo e falando mexericos, isto é, enredos e intrigas, como
se dizia no tempo e ainda se diz neste romance.”
O NASCIMENTO DO ROMANCE
A publicação de romances em folhetins - os capítulos aparecendo a
cada dia nos jornais - já era comum no Brasil desde a década de 1830. A
maior parte destes folhetins era composta por traduções de romances de
origem inglesa, como as histórias medievais de Walter Scott, ou
francesa, como as aventuras dos Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas.
Emocionados, os brasileiros acompanhavam as distantes aventuras de um
Ivanhoé ou de um D’Artagnan, transportando-se, em espírito, para os
campos e reinos da Europa.
Embora fizessem sucesso junto ao público, os primeiros romances
brasileiros, publicados em folhetim, não deixavam de ser considerados,
pelos literatos “sérios”, como “uma leitura agradável, diríamos quase um
alimento de fácil digestão, proporcionado a estômagos fracos.” O
romance, esse gênero literário novo e “fácil”, que foi introduzido na
literatura brasileira por autores como Joaquim Manuel de Macedo e
Teixeira e Sousa, ganharia status de literatura "séria" com a obra de
José de Alencar.
Os primeiros romances brasileiros
Na década de 1840 começam a aparecer alguns folhetins de autores
nacionais, ambientados no Brasil. Teixeira e Sousa (1812-1861),
considerado por muitos o nosso primeiro romancista, estréia em 1843 com O
Filho do Pescador. No ano seguinte, o jovem estudante de medicina,
Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), surge com A Moreninha, o primeiro
romance nacional “apreciável pela coerência e pela execução”. Em meio à
corrente açucarada dos nossos primeiros folhetinistas surge, já em
1852/53, a obra excêntrica de um jornalista carioca de vinte e um anos
chamado Manuel Antônio de Almeida (1831-1861). As suas Memórias de um
Sargento de Milícias retratam de forma irônica a vida do Rio de Janeiro
“no tempo do rei” Dom João VI e apresentam um contraponto cômico à
seriedade por vezes excessiva e à inverossimilhança dos romances do Dr.
Macedinho.
A descrição do cenário nacional
O público interessava-se, portanto, cada vez mais por um romance de
aventuras românticas que apresentasse o cenário brasileiro. O grande
sucesso de público de O Guarani (1857), de José de Alencar, em que as
aventuras de Peri e sua amada Cecília se desenrolam em meio à exuberante
natureza fluminense, estimula os escritores a se voltarem para a
apresentação da ambientação tipicamente nacional em suas obras.
Na década de 70 essa tendência nacionalista haveria de se
consolidar, com o surgimento das obras de Franklin Távora (1842-1888),
autor de O Cabeleira (1876) e o Visconde de Taunay (1843-1899), autor
de Inocência (1872). É nesse cenário literário que aparece, em 1875, um
dos maiores sucessos de público do período: A Escrava Isaura, que
explora uma das questões mais polêmicas da sociedade brasileira da
época, a escravidão.
O ENREDO
A história se passa nos “primeiros anos do reinado de D. Pedro II”,
inicialmente em uma fazenda em Campos dos Goitacazes (RJ). Isaura,
escrava branca e bem-educada, é assediada pelo seu senhor, Leôncio,
recém-casado com Malvina. Isaura se recusa a ceder aos apelos de
Leôncio, como já fizera, no passado, sua mãe, que, por ter repelido o
pai de Leôncio, fora submetida a um tratamento tão cruel que, em pouco
tempo, morrera.
Para forçá-la a ceder, Leôncio manda Isaura para a senzala,
trabalhar com as outras escravas. Sempre resignada, suporta passivamente
o seu destino, porém, não cede a Leôncio, afirmando que ele, como
proprietário, era senhor de seu corpo, mas não de seu coração: “ - Não,
por certo, meu senhor; o coração é livre; ninguém pode escravizá-lo, nem
o próprio dono.” Leôncio, enfurecido, ameaça colocá-la no tronco.
No entanto, seu pai, ex-feitor da fazendo, consegue tirá-la de lá e
foge com ela para Recife (PE). Em Recife, Isaura usa o nome de Elvira e
vive reclusa numa pequena casa com seu pai. Então, conhece Álvaro, por
quem se apaixona e é correspondida. Vai a um baile com ele, onde é
desmascarada e reconhecida. Álvaro, ainda que surpreso, não se importa
com o fato de ela ser uma escrava e resolve impedir que Leôncio a leve
de volta, inclusive tentando comprá-la. Mas não consegue convencer o
vilão, e este leva Isaura de volta ao cativeiro na fazenda.
Leôncio está praticamente falido e, com o objetivo de conseguir um
empréstimo do pai de Malvina, consegue se reconciliar com a mulher,
afirmando que Isaura é quem o assediava. Então, para punir Isaura,
Leôncio manda que ela se case com Belchior, jardineiro da fazenda.
Entretanto, Álvaro descobre a falência de Leôncio e compra a dívida dos
seus credores, tornando-se proprietário de todos os seus bens, inclusive
de seus escravos. No dia do casamento de Isaura, antes que se
celebrasse a cerimônia, Álvaro aparece e reclama seus direitos a
Leôncio. Vendo-se derrotado e na miséria, Leôncio suicida-se. Tudo
termina, portanto, com a punição dos culpados e o triunfo dos justos.
Como bem o sintetizou Carlos Alberto Vecchi:
“A estrutura narrativa de A Escrava Isaura segue o modelo
folhetinesco das histórias românticas: para atingir seu ideal e obter o
reconhecimento de todos, o herói tem que realizar uma jornada perigosa,
onde a própria vida é colocada em risco. O Amor, epicentro onde se
debatem o Bem e o Mal, torna-se a força motriz que conduz ao
restabelecimento do equilíbrio e da felicidade a todos que, em momento
algum, se deixaram intimidar pelos desmandos de Leôncio. O Mal extirpado
(o suicídio de Leôncio) cede lugar ao Bem. E aqueles que nortearam suas
ações pelas virtudes maiores é que estão aptos a receber o prêmio daí
decorrente.”
OS PERSONAGENS
A obra apresenta a tríade comum aos romances populares românticos:
vilão, heroína e herói. E, graças à ausência de profundidade com que são
construídos, os personagens do romance são planos, estáticos e
superficiais.
Isaura, a heroína escrava, é branca, pura, virginal, possui um
caráter nobre e demonstra “conhecer o seu lugar”: do princípio ao fim,
suporta conformada a perseguição de Leôncio, as propostas de Henrique,
as desconfianças de Malvina, sem jamais se revoltar. Permanece
emocionalmente escrava, mesmo tendo sido educada como uma dama da
sociedade. Tem escrúpulos de passar por branca livre, acha-se indigna do
amor de Álvaro e termina como a própria imagem da “virtude
recompensada”.
Vejamos como Guimarães descreve sua heroína:
“A tez é como o marfim do teclado, alva que não deslumbra, embaçada
por uma nuança delicada, que não sabereis dizer se é leve palidez ou
cor-de-rosa desmaiada. (…) Na fronte calma e lisa como o mármore polido,
a luz do ocaso esbatia um róseo e suave reflexo; di-la-íeis misteriosa
lâmpada de alabastro guardando no seio diáfano o fogo celeste da
inspiração.”
Leôncio é o vilão leviano, devasso e insensível que, de “criança
incorrigível e insubordinada” e adolescente que sangra a carteira do pai
com suas aventuras, acaba por tornar-se um homem cruel e inescrupuloso,
casando-se com Malvina, linda, ingênua e rica, por ser “um meio mais
suave e natural de adquirir fortuna”. Persegue Isaura e se recusa a
cumprir a vontade de sua mãe, já falecida, que queria dar a ela a
liberdade e alguma renda para viver com dignidade.
Álvaro é um rico herdeiro, cavalheiro nobre e de caráter impecável,
que “tinha ódio a todos os privilégios e distinções sociais, e é
escusado dizer que era liberal, republicano e quase socialista”; um
jovem de idéias igualitárias, idealista e corajoso para lutar contra os
valores da sociedade a que pertence. Sua conduta moral é assim descrita
pelo autor:
“Original e excêntrico como um rico lorde inglês, professava em seus
costumes a pureza e severidade de um quacker. Todavia, como homem de
imaginação viva e coração impressionaável, não deixava de amar os
prazeres, o luxo, a elegância, e sobretudo as mulheres, mas com certo
platonismo delicado, certa pureza ideal, próprios das almas elevadas e
dos corações bem formados.”
Apaixonado por Isaura, o grande obstáculo que Álvaro precisa vencer é
o fato de ser Isaura propriedade legítima de Leôncio. Para isso, vai à
corte, descobre a falência de Leôncio, adquire seus bens e desmascara o
vilão. Liberta Isaura e casa-se com ela, desafiando, assim, os
preconceitos da sociedade escravocrata.
Nos demais personagens o processo de construção é o mesmo. Miguel,
pai de Isaura, foge do conceito tradicional do mau feitor. Quando feitor
da fazenda de Leôncio, tratara bem aos escravos e amparara Juliana, mãe
de Isaura, nas suas desditas com o pai de Leôncio. Pai extremoso,
deseja libertar a filha do jugo da escravidão e não mede esforços para
isso.
Martinho é o protótipo do ganancioso: cabeça grande, cara larga,
feições grosseiras e “no fundo de seus olhos pardos e pequeninos,… reluz
constantemente um raio de velhacaria”. Por querer ganhar muito
dinheiro entregando Isaura ao seu senhor, acaba por não ganhar nada. Já
Belchior é o símbolo da estupidez submissa e também sua descrição física
se presta a demonstrar sua conduta: feio, cabeludo, atarracado e
corcunda. O crítico Manuel Cavalcanti Proença aponta “o parentesco entre
o disforme e grotesco (de gruta) Belchior, e o Quasímodo de O Corcunda
de Notre Dame, de Víctor Hugo, romance de extraordinária voga, ainda não
de todo perdida, no Brasil.”
O dr. Geraldo é um advogado conceituado, que serve como fiel da
balança para Álvaro, já que procura equilibrar os arroubos do amigo,
mostrando-lhe a realidade dos fatos. Quando Álvaro, revoltado com a
condição de Isaura e indignado com os horrores da escravidão, dispõe-se a
unir-se a ela, mesmo sabendo que escandalizaria a sociedade, Geraldo
retruca lucidamente que a fortuna de Álvaro lhe dá independência para
“satisfazer os teus sonhos filantrópicos e os caprichos de
tua imaginação romanesca”. O que não é, na verdade, característica restrita apenas à sociedade escravocrata do século XIX.
Concessão ao preconceito?
Este romance já foi considerado, com bastante exagero, uma espécie
de A Cabana do Pai Tomás (1851) nacional. Porém, Bernardo Guimarães, ao
contrário da romancista americana Harriet Beecher Stowe, detém-se muito
pouco na descrição dos sofrimentos provocados pelo regime escravocrata.
Ele coloca, na boca de alguns personagens, como Álvaro e seus amigos,
estudantes no Recife, algumas frases abolicionistas, mas parece tomar
bastante cuidado em não provocar a fúria dos seus leitores
conservadores. Está mais preocupado em contar as perseguições do senhor
cruel à escrava virtuosa e, assim, conquistar a simpatia do leitor.
Bernardo Guimarães faz questão de ressaltar exaustivamente a beleza
branca e pura de Isaura, que não denunciava a sua condição de escrava
porque não portava nenhum traço africano, era educada e nada havia nela
que “denunciasse a abjeção do escravo”. O que parece uma escolha
preconceituosa e contraditória – contar as agruras da escravidão criando
uma escrava branca – talvez seja melhor compreeendido se se levar em
conta que a maior parte do público que consumia romances na época era
composto por mulheres da sociedade, que apreciavam as histórias de amor.
Somem-se a isso o modelo de beleza feminino de então, caracterizado
pela pele nívea e maçãs rosadas do rosto e, principalmente, o objetivo
do autor de conquistar a solidariedade do leitor pela escrava, mostrando
a que ponto extremo poderia chegar o regime escravocrata: “fisicamente,
Isaura não é diferente das damas da sociedade, mas, por ser escrava, é
obrigada a viver como os de sua classe, como objeto útil nas mãos de seu
senhor”, conforme afirma a crítica Maria Nazareth Soares Fonseca.
O autor claramente conseguiu o que queria. A sociedade brasileira do
século XIX, que tanto se apiedou das desventuras de Isaura, aceitou-a
porque ela era branca e educada. O autor pôde, assim, demonstrar,
através do seu sofrimento, o quanto “é vã e ridícula toda a distinção
que provém do nascimento e da riqueza”. E é claro, a cor de Isaura
serve, como afirma o crítico Antônio Cândido, “para facilitar a ação de
Álvaro, compreensivelmente apaixonado e decidido a desposá-la, como
fez.”
Se houve influência, portanto, do romance A cabana do Pai Tomás,
talvez tenha sido apenas no que o crítico Alfredo Bosi aponta como
referência: a cena da fuga de Campos para Recife, “talvez sugerida pela
fuga de Elisa através dos gelos flutuantes de Ohio para a liberdade no
Norte e por fim no Canadá”. Entretanto, o fato é que, como aponta o
crítico, só depois do lançamento de A cabana do Pai Tomás “a literatura
brasileira começou a ser povoada de feitores cruéis e de escravos
virtuosos”.
A LINGUAGEM
O tratamento exageradamente romântico que o autor aplica neste livro
faz com que ele tenha um caráter mais de lenda do que de realidade, ao
contrário de seus outros romances, como O Ermitão de Muquém (1864), O
Seminarista (1872) e O Garimpeiro (1872), em que a descrição
regionalista do ambiente físico e social proporciona mais
verossimilhança à trama.
Em A Escrava Isaura, o excesso de imaginação se traduz em
“idealização descabida”, como afirma Antonio Candido, que se concretiza
no plano da linguagem em descrições repetitivas e mecânicas dos
personagens, com abuso de adjetivos redundantes.
Observe-se a descrição de Isaura quando senta-se ao piano no salão de baile no Recife:
“A fisionomia, cuja expressão habitual era toda modéstia,
ingenuidade e candura, animou-se de luz insólita; o busto admiravelmente
cinzelado ergueu-se altaneiro e majestoso; os olhos extáticos
alçavam-se cheios de esplendor e serenidade; os seios, que até ali
apenas arfavam como as ondas de um lago em tranqüila noite de luar,
começaram de ofegar, túrgidos e agitados, como oceano encapelado; seu
colo distendeu-se alvo e esbelto como o do cisne, que se apresta a
desprender os divinais gorgeios. Era o sopro da inspiração artística,
que, roçando-lhe pela fronte, a transformava em sacerdotisa do belo, em
intérprete inspirada das harmonias do céu.”
O AMOR E A DONZELA INEXPUGNÁVEL
“Os motivos que compõem romance”, segundo Cavalcanti Proença, “são
filiados nos velhos e perenes topos” – ou temas – “da literatura
popular. O amor à primeira vista é um deles. Ver e amar é um verbo só. E
isso porque a narrativa não é a história de um amor, mas dos
sofrimentos do amor. (…) Para isso se entretecem os conflitos de escrava
que não tem direito de amar, os do homem casado que não deve trair a
esposa. (Amor verdadeiro só o primeiro.)”
Entre esses temas, há um que remonta à literatura medieval e que
domina a narrativa como um todo, a partir da descrição de Isaura como
pura e virtuosa, lutando contra a luxúria do seu senhor. É o da donzela
inexpugnável, que defende sua pureza com todas as forças de que dispõe,
preferindo arriscar-se à morte na fuga a se entregar sexualmente.
Entre os precursores da literatura folhetinesca está o romancista e
tipógrafo inglês Samuel Richardson (1689-1761). A sua novela Pamela, ou a
Virtude Recompensada, publicada em 1741, certamente é uma das fontes de
inspiração mais contundentes para a composição do romance de Bernardo
Guimarães. Nessa obra, Richardson narra as desventuras de Pamela
Andrews, filha de camponeses que é educada por uma senhora nobre que, ao
morrer, a entrega aos cuidados de seu filho, o Conde de Belfart. Esse
jovem inescrupuloso atenta contra a virtude de Pamela, assediando-lhe
com ameaças vis e acaba por entregar-lhe a uma vulgar alcoviteira. Mas
Pamela, como Isaura, consegue defender-se, mantendo intacta a sua honra.
Acaba por comover com suas lágrimas abundantes o Conde de Belfart que,
arrependido, termina se casando com a heroína.
Bernardo Guimarães acrescenta à trama romanesca inventada por
Richardson a figura do cavalheiro salvador Álvaro e a temática bem
brasileira da escravidão.
Também Castro Alves, o maior dos nossos escritores abolicionistas,
refere-se à defesa da virtude das escravas, em poemas como Súplica, do
livro Os Escravos (1883):
“Que a donzela não manche em leito impuro
A grinalda do amor.
Que a honra não se compre ao carniceiro
Que se chama senhor.”
Vida e Obra
de Bernardo Guimarães
Um escritor popular
Bernardo Joaquim da Silva Guimarães, filho de Constança Beatriz de
Oliveira Guimarães e João Joaquim da Silva Guimarães, nasceu em Ouro
Preto, Minas Gerais, em 15 de agosto de 1825. Aos quatro anos mudou-se
com a família para Uberaba, onde fez o curso primário. O secundário,
iniciou em Campo Belo e terminou em Ouro Preto. Em 1847, aos 24 anos,
matriculou-se na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São
Paulo.
Ao contrário dos estudos jurídicos, de que não gostava e por pouco
não fora reprovado, o ambiente acadêmico – boêmio, festivo e
influenciado pelas idéias do Romantismo - o atraía e o estimulava a
desenvolver sua vocação pela literatura. Contemporâneo de escritores e
poetas como José de Alencar e Casimiro de Abreu, torna-se amigo íntimo
dos poetas Álvares de Azevedo e Aureliano Lessa. Tudo indica – mas nada
prova – que tenha participado da famosa “Sociedade Epicuréia”.
A capital paulista era, então, habitada por não mais de 15 mil
pessoas, que viviam escandalizadas com as aventuras devassas dessa
sociedade se-creta de estudantes, fundada em 1845. Seus membros, alunos
da Academia, chamavam-se uns aos outros pelos nomes de personagens do
Lord Byron e tinham, como objetivo principal, colocar em prática as
“extravagantes fanta-sias” do poeta inglês. Realizavam orgias
intermináveis e, diz a lenda, cerimônias macabras nos cemitérios
paulistanos.
Antes da morte precoce de Álvares de Azevedo (1831-1852), os três
amigos planejavam publicar um livro de versos, intitulado As Três Liras,
nunca concretizado.
Terminado o bacharelado em Direito em 1852, Bernardo Guimarães foi
nomeado juiz municipal de Catalão, em Goiás e publica, neste mesmo ano,
Cantos da solidão, seu primeiro livro de poemas.
Depois de passar seis anos em Goiás, o escritor muda-se para o Rio
de Janeiro e, entre 1858 e 1860, trabalha como jornalista e crítico
literário no jornal Atualidade. Retorna a Goiás em 1861, novamente como
juiz municipal de Catalão. No mesmo ano, resolve absolver e libertar
todos as pessoas presas por delitos de pouca importância, já que a
cadeia pública estava abarrotada. Faz isso em um julgamento sumário,
ousadia que lhe rende um processo. Defende-se e é absolvido, mas sua
carreira jurídica ficou comprometida.
Em 1864, vai para o Rio de Janeiro e, em 1866, volta para Ouro
Preto, onde se casa com Teresa Maria Gomes, com quem viria a ter oito
filhos. Em Ouro Preto, leciona retórica e poética no Liceu Mineiro
durante pouco tempo, pois o curso logo foi extinto. Anos depois, em
1873, em Queluz (MG), o fato se repetiu: o curso de latim e francês,
ministrado por Bernardo Guimarães, também foi cancelado. Um dos seus
biógrafos, Basílio de Magalhães, acredita que o motivo foi o mesmo em
ambos os casos: a ineficiência de Bernardo Guimarães como professor e
sua pouca assiduidade às aulas.
No entanto, a partir de 1869, Bernardo Guimarães já começava a se
destacar como escritor de prosa de ficção, com a publicação de seu
primeiro romance, O ermitão de Muquém. Três anos depois, publica duas de
suas principais obras: O seminarista e O garimpeiro. Mas foi com a
primeira edição de A Escrava Isaura, em 1875, em meio à campanha
abolicionista, que o escritor ganhou fama e popularidade.
Aos 58 anos, em 10 de março de 1884, Bernardo Guimarães morreu em
Ouro Preto, deixando inacabadas as obras: A história de Minas Gerais,
encomendada pelo imperador D. Pedro II, em 1881, e o romance O bandido
do Rio das Mortes.
Em 1896, portanto doze anos após a sua morte, foi designado patrono da cadeira no 5 da Academia Brasileira de Letras.