BARROCO
CONTEXTO
HISTÓRICO-LITERÁRIO.
No
entender de alguns estudiosos, o Barroco tornou-se a arte da
Contra-Reforma, visto as características básicas do movimento
estético servirem aos desígnios doutrinários e pedagógicos da
Igreja na luta anti-reformista. A Contra-Reforma teria absorvido a
estética barroca, fazendo dela uma espécie de estratégia de sua
ação catequizadora, de onde o caráter pragmático assumido pelas
expressões da arte literária barroca, particularmente as em prosa.
Por outro lado, a fusão de propósitos e tendências nem sempre
coerentes explica as múltiplas facetas apresentadas pelo Barroco.
Posto isso, pergunta-se; quais as características fundamentais da
estética barroca? Primeiro de tudo, corresponde à tentativa de
fundir, numa unidade ambiciosa de simbolizar a suma perfeição, as
duas linhas de força que conduziram o pensamento europeu ao longo do
século XVI: o Barroco procurou conciliar numa síntese utópica a
visão do mundo medieval, de base teocêntrica, e a ideologia
clássica, renascentista, pagã, terrena e antropocêntrica. No
amálgama entre orientações tão opostas e à primeira vista
mutuamente repulsivas, haveria inevitável troca de posições, de
forma que se operaria a espiritualização da carne e a
correspondente carnalização do espírito. Em resumo, era o empenho
no sentido de conciliar claro e escuro, a matéria e o espírito, a
luz e a sombra, visando a anular pela unificação a dualidade do ser
humano, dividido ente os apelos do corpo e os da alma. (MOISÉS,
Massaud. A Literatura Portuguesa. Pág. 72-73. Cultrix: São Paulo,
2005).
Ainda
sobre o Barroco.
Conhecido
também por Seiscentismo (anos de 1600), este foi um estilo literário
marcado pela linguagem rebuscada, o uso de antíteses e de paradoxos
que expressavam a visão de mundo barroca numa época de transição
entre o Teocentrismo e o Antropocentrismo. No Barroco, estão
presentes duas vertentes: cultismo e conceptismo:
Cultismo
ou gongorismo
- valorização de forma e imagem, jogo de palavras, uso de
metáforas, hipérboles, analogias e comparações. Manifesta-se uma
expressão da angústia de não ter fé.
Conceptismo
ou quevedismo
- valorização do conteúdo/conceito, jogo de idéias através do
raciocínio lógico. Há o uso da parábola com finalidade mística e
religiosa.
Referências
históricas:
Recuo das renovações culturais trazidas pelo Renascimento; Reforma
Protestante combatida através da Contra-Reforma e da inquisição;
Domínio espanhol de Portugal de 1580 até 1640.
Características:
Essa situação contraditória provoca o aparecimento de uma arte que
expressar também atitudes contraditórias do artista em face do
mundo, da vida, dos sentimentos e de si mesmo.
O
homem tenta conciliar a glória e o valor humano despertados pelo
Renascimento com as idéias de submissão e pequenez diante de Deus e
a igreja.
O
homem está entre céu e terra, consciente de sua grandeza, mas
perseguido pela idéia de pecado e busca a salvação de forma
angustiada. Assim, há uma tentativa de conciliação de idéias
antagônicas: Bem – Mal / Deus – Diabo / Céu – Terra / Pureza
– Pecado / Alegria – Tristeza / Espírito – Carne.
Há
um crescente pessimismo em face da vida (oposto à vontade de viver e
vencer do Renascimento) e tudo lembra ao homem sua morte e
aniquilamento. É de se esperar que os recursos dessa visão de mundo
sejam, na poesia, as figuras: sonoras (aliteração, assonância,
eco, onomatopéia...), sintáticas (elipse, inversão, anacoluto,
silepse...) e principalmente semânticas (metáfora, metonímia,
sinédoque, antítese, paradoxo, clímax...).
Gregório
de Matos Guerra (1623-1696).
Sua
própria produção poética — lírica, religiosa, satírica e
existencial — já mostra a alma barroca deste poeta. Ao lado de
expressões de amor carnal, manifestou aspirações religiosas; ao
lado de poesias sérias e reflexivas sobre a condição humana,
debochou e satirizou a sociedade da época, notadamente a baiana. A
dualidade barroca percorre toda a obra de Gregório de Matos, vazada
numa linguagem bem trabalhada, capaz de traduzir sua angústia
metafísica e religiosa, sutil para expressar seus sentimentos
amorosos e objetiva e popular nas sátiras.
Tinha
por apelido "Boca do Inferno", devido ao teor de seus
poemas. Sua poesia religiosa é sempre do pecador que se penitencia
através de uma lógica argumentativa; enquanto a poesia lírica é
sensualista e elogiosa. Em Salvador, levou vida desregrada, tendo
famosos encontros amorosos com freiras e compondo poemas satíricos,
por isso foi banido em 1694 para Angola. Nunca em vida Gregório de
Matos publicou um livro, e suas poesias, colecionadas e publicadas
apenas por seus admiradores, sobrevive até hoje em antologias.
A
linguagem Barroca
Algumas
características da linguagem barroca merecem especial atenção pela
sua peculiaridade e pelo uso que foi sendo feito de algumas delas em
escolas posteriores.
REQUINTE
FORMAL (OBSCURIDADE): você deve notar que o nível lingüístico dos
textos é sofisticado, ou seja, suas construções sintáticas são
elaboradas com vocábulos de nível elevado. O Barroco literário foi
uma arte da aristocracia e esse refinamento era desejado por seu
público consumidor, porque lhe conferia status:
É
nau enfim, que em breve ligeireza,
Com
presunção de Fênix generosa,
Galhardias
apresta, alentos preza.
Veja
que as palavras empregadas por Gregório são pouco usuais, não
estão no dia-a-dia, e essa é uma das marcas do requinte formal.
FIGURAÇÃO
(SIMILARIDADES): em vez de dizer as coisas de forma direta e
objetiva, o texto barroco prefere a figuração, a sugestão por meio
de metáforas, de comparações, símbolos e alegorias.
Ontem
a vi por minha desventura
Na
cara, no bom ar, na galhardia
De
uma mulher, que em Anjo se mentia;
De
um sol, que se trajava em criatura(...)
Aqui
a mulher é comparada ao Sol (estimula o ardor) e ao Anjo (símbolo
da pureza).
CONFLITO
ESPIRITUAL
(FUSIONISMO/DUALISMO):
o homem barroco sente-se dilacerado e angustiado diante da alteração
dos valores, dividindo-se entre o mundo espiritual e o mundo material
As figuras que melhor expressam esse estado de alma são a antítese
e o paradoxo .
Se
basta a vos irar tanto pecado
A
abrandar-vos sobeja um só gemido
Que
a mesma culpa, que a vos ofendido,
Vos
tem para o perdão lisonjeado.
Observe
que o poeta argumenta que o pecado é paradoxalmente o motivo da ira
e da alegria de Deus TEMAS CONTRADITÓRIOS (JOGO DE CLARO/ESCURO): há
o gosto pela confrontação violenta de temas opostos, como amor/dor,
vida/morte, juventude/velhice, pecado/perdão, etc.
Lugar
de glória, adonde estou penando
Casa
da morte, adonde estou vivendo!
ou
Mas
vejo, que por bela, e por galharda,
Posto
que os Anjos nunca dão pesares,
Sois
Anjo, que me tenta, e não me guarda.
Visão
que o poeta tem da terra, local de sofrimento, mas também de luz.
Isso reforça o aspecto contraditório da poesia barroca na qual
figura feminina é vista como um ser ambíguo, que realiza
simultaneamente uma sedução mística (religiosa) e carnal
(profana).
A
EFEMERIDADE DO TEMPO E O CARPE
DIEM:
o homem barroco tem consciência de que a vida terrena é efêmera,
passageira, e por isso, é preciso pensar na salvação espiritual.
Mas,
já que a vida é passageira, sente, ao mesmo tempo, desejo de
gozá-la antes que acabe, o que
resulta
num sentimento contraditório, já que gozar a vida implica pecar, e,
se há pecado, não há salvação. Diante disso, nota-se um horror
diante da passagem do tempo.
Goza,
goza da flor da mocidade,
Que
o tempo trota a toda ligeireza,
E
imprime em toda flor sua pisada.
Nesse
trecho há o convite à amada para que ela aproveite a vida enquanto
está jovem
QUADRO
COMPARATIVO
CLASSICISMO
RENASCENTISTA
|
BARROCO
|
Retomada
dos padrões clássicos da Idade Antiga, a partir da segunda
metade da Idade Média, no período que se chamou de Renascimento.
|
Prolongamento
radical das idéias do Maneirismo, já no século XVII.
|
Contenção,
racionalismo.
|
Exagero;
ludismo; grotesco .
|
Simplicidade
e clareza.
|
Tendência
para o rebuscamento ornamental e para a artificialidade.
|
Prevalece
como gênero o épico.
|
Prevalecem
a lírica e a sátira.
|
Referência
constante à mitologia greco-romana.
|
Referência
constante aos dogmas da Igreja cristã (pecado, céu, inferno,
eternidade etc.).
|
Equilíbrio,
sobriedade.
|
Dúvida,
desequilíbrio, obscuridade, confusão, ambigüidade em exagero.
|
Sensualidade
quase imperceptível, muito velada.
|
Sensualidade
praticamente explícita, chegando ao erótico.
|
Autoconfiança.
|
Autoconfiança
em contraste com o sentimento de frustração.
|
Racionalismo
formal.
|
Racionalismo
formal.
|
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